domingo, fevereiro 5

ADEMIR - 1

Não é quente. Também não é frio. É gostoso.
Não é claro e nem é escuro. Não tem tons berrantes ou cores reconfortantes.
Não se sabe se é feio ou bonito, pois, nada se vê! Pode ser negro como um café ou branco como o leite. Não faz diferença, quem não conhece as alturas não tem medo de grandes saltos. Quem não conhece o suplício eterno não tem medo da morte e ri do pecado assim como a criança que não conhece a dor é seduzida a colocar o dedo no fogo.
É como quando se tem uma dor que incomoda. Tipo aquela dor que não fere, apenas da uma sensação de mal estar e a gente encontra uma posição que nos faz esquecer ela. É essa a sensação que Ademir sente nesses nove meses em que ele vive – sem ainda se chamar Ademir – nesse ambiente prazeroso.
São apenas nove meses que ele vive. Apesar de não ter a noção de que tem uma vida, mas ele já sabe que aquilo que ele tem é o que de melhor ele pode ter.
Logo ele irá ter uma outra vida. Pessoas dirão que não é outra vida: É simplesmente a vida.
Ele é apenas um projeto de uma nova vida – vida assim como nós concebemos - , mas ele sente. Ouve mesmo sem ouvir, onde ele está não há sons e, ele percebe mesmo sem ter outras experiências para confrontar que ali é o melhor lugar em que ele poderia estar. Ali ele está seguro. Ali ele reina. Ali ele é “perfeito” e mais ainda: ali ele é amado.
Mas seu pequeno mundo começa aos poucos lhe negar abrigo. Aquele universo tão seu, contrai-se e o empurra para fora. O seu mundo até aqui ideal o não quer mais. Seu tempo ali terminou. Um outro mundo lhe espera.
O que virá ele não sabe, não teve com quem conversar e nem alguém para lhe dizer como será quando ele deixar aquele seu pequeno mundo.
Não quer ir. Esse é seu mundo. Não conhece outro e o desconhecido é de dar medo. Até pode ser melhor, mas quem garante?
Não... Aqui ele esta seguro e é único. Ninguém irá compará-lo com outro alguém.
Seu mundo continua a contrair-se e tenta expulsa-lo para fora. Não irá! Está resoluto. Não trocará o que lhe é familiar por outra coisa que não conhece.
Conhecer deve ser ruim! Essa é a primeira concepção que ele tem.
O conhecimento trás a razão e a razão a certeza. A certeza, fruto da razão acaba com o medo e deixa somente a razão, e a razão acaba com os mitos, as lendas e os sonhos que movem o homem. O homem só reina no mundo movido pela incerteza, ou não se sentiria desafiado a avançar e ficaria numa eterna inércia que o levaria a extinção.
Aos poucos as contrações de seu mundo vão ficando menores. Sua obstinada vontade de ficar está vencendo as vontades desse outro mundo. É a vitória do ser sobre o meio.
E ficaria ali não fosse as tenazes em volta de seu crânio puxando-o para fora
Mãos plastificadas o pegaram. Assim que a pressão em torno de sua cabeça acabou, foi erguido pelos pés e ficou de cabeça para baixo e recebeu a primeira agressão. Uma palmada nas nádegas ainda molhadas com os vestígios de seu mundo anterior.
Não havia mais volta... Chorou!
Não pela dor da palmada e nem pelo mundo que ele não conseguia ver a sua frente, mas por saber que lhe fora roubado o mundo maravilhoso que era o ventre da mãe.

Um comentário:

Bárbara disse...

Certamente, caro amigo cronista! Ninguém mais conseguiria escrever com tanto primor esta história! Te admiro muito!