quinta-feira, abril 29

Teófilo -Final


Quando o meu visinho de banco começou a recobrar os sentidos estava amordaçado e amarrado em uma cadeira. A lâmpada que refletia em seus olhos o fez custar a perceber que estava em um porão sem janelas e bastante insalubre.
Tentou gritar, não conseguiu. Tentou levantar, menos ainda.
_ Calma senhor Saraiva, ou deveria dizer, sargento Saraiva! – ele voltava aos poucos a ter totalmente a visão e ficou horrorizado ao ver em sua frente algo muito familiar ao que no passado ele chamava sarcasticamente de “sala de descanso” e que hoje era conhecido como sala de torturas. Seus atônitos olhos correram pelo porão, e mesmo com a parca luz pode ver coisas que ele sabia que eram usadas para torturar pessoas: porretes, maricotas, alicates, tonéis cheios de água...
_ Falei que iria apresentar meus pais e não menti – peguei um velho amarrotado e amarelado cartaz com várias fotos de rostos sobre a frase “terroristas procurados”. Bem ao centro havia a foto de um casal de jovens circundados por um circulo feito a caneta esferográfica vermelha. Coloquei bem em frente aos seus olhos.
_ Aqui está! Papai e mamãe! Lembra? – um frêmito de pavor estampou-se nos olhos do sargento Saraiva. Um passado que ele tentava sepultar ressurgiu em sua lembrança.
_ Pois é desgraçado! Esses dois aí são os meus pais! – ele tremia e vi que era assim que tremiam as pessoas que ficavam em sua frente nos porões da repressão -. Tu deves lembrar muito bem deles! Claro que foram tantas as pessoas que vocês torturaram que talvez tu digas que não lembras, mas sei que lembras sim! – seu corpo sofria espasmos.
_ Tu eras macho enquanto tinha as pessoas subjugadas, porque agora treme? Lembra dos gritos de agonia das pessoas que tu torturavas? Pois é! Eu agora quero que tu grites muito mais! Calma... Não vou te currar como tu curravas teus prisioneiros, porque eu não sou igual a ti. Não vou seviciá-lo. Não... Eu vou mata-lo aos pouquinhos. – arranquei a mordaça de um único puxão.
_ Por amor de Deus!... Eu tenho uma neta! – chorava o bravo torturador.
_É? E meus pais não tinham um filho seu filho da puta! – gritei enchendo a cara dele de perdigotos desesperados.
_ Eu não sabia o que fazia! – Ás lágrimas caiam aos borbotões sobre sua berrante camisa.
_ Pois é desgraçado! Acho que meus pais também não sabiam muito bem o que faziam! Mas faziam por um ideal. Hoje sua queridinha netinha tem direito a se expressar, a votar e fazer o que ela quer porque muitas pessoas assim como os meus pais lutaram por ela!
_ Eu me arrependi de tudo o que fiz...
_ Se arrependeu de dar choques em estudantes? De currar jovens mães em frente aos seus jovens maridos? Em dependurar operários pelados nos seus famigerados paus de araras?
_ Por favor!...
_ Favor? Quantos favores tu fez para os moribundos prisioneiros que vocês torturavam?
_ Por favor!...
_ Sim! Favor! O único favor que vocês fizeram para meus pais foi mata-los para eles não sofrerem mais!
_ Eu imploro!...
_ Não precisa implorar! Eu vou fazer contigo algo que tu mesmo sentindo-se todo poderoso nas sessões de tortura, nunca teve coragem de fazer!
Dei as costas para ele e fui em direção à mesa em que estava todo um macabro arsenal de tortura. Ele urrava de pânico. Ouvi a urina correr pelo chão escorrendo por sua perna. Peguei uma faca de caça, daquelas enormes. Virei-me dramaticamente com a arma em minhas mãos. O intestino de meu prisioneiro não se conteve, sei disso pelo cheiro.
Aproximei-me e ele rezava desvairado algo que parecia ser o Pai Nosso e cortei as cordas que prendiam suas mãos a cadeira.
_ Vou te dar o que tu nunca poderia dar seu desgraçado! Te dou o perdão.
Joguei a faca no chão e sai e por muitos dias ficou em minha cabeça o soluçar e o choro desesperado daquele infeliz que um dia se julgou poderoso.
Isso foi a mais ou menos um ano.
Mudei de cidade e não tenho mais o peso do passado em minhas costas e acho o nome Teófilo legal!
Claro que não darei um nome assim ao meu filho...

Um comentário:

Cultura Subjetiva disse...

Não entendo o que os pais de Teófilo fizeram de errado para serem perdoados pelo sargento. Pensar é errado?