sexta-feira, abril 4

O azar de Baltazar


Baltazar tinha certeza que era azarado. Não adiantava as negativas de sua mãe. Ele sempre afirmava que o próprio nome já indicava a maldição: Baltazar.
Estudou em escola pública. Não foi medíocre. Rodou só um ano no primeiro grau, e ele tinha certeza, que fora por azar. Era só marcar a resposta certa. E ele sabia qual era. Mas na hora de marcar, marcou a opção errada.
Bom... Isso foi no primeiro grau, do segundo não podemos falar, pois ele nunca foi para o segundo. Vagabundo? Não... Baltazar, sempre foi dedicado e sonhou com um grande futuro. Mas havia o azar... Quando iria fazer o segundo grau na Escola Técnica Agricola, o azar – que nunca o deixava – levou seu pai desta para uma melhor. Se era melhor ele não sabia realmente, mas era isso que falavam. Teve de largar os estudos para manter a mãe paraplégica e os quatro irmãos. Dois deles já em final de carreira pelo crack.
Teve vários empregos, todos sem muita importância, e nesse ínterim os irmãos que estavam pela bola sete, o crack os levou. Um sem dúvida a droga matou, o outro dizem, foi uma divida com um traficante que o despachou.
Tentou recomeçar os estudos, mas veio a morte da mãe e comeu os poucos reais que tinha guardado. Soube que era o azar que veio para ferrar com ele. Ficou ele e os dois irmãos. E ele como era mais velho, ficou a obrigação de ser o mantenedor.
Um dos irmãos parecia ir muito bem, até que a policia o pegou vendendo petecas na faculdade. Faculdade esta muita cara que Baltazar pagava com muito esforço. O coitado, não agüentou muito tempo e se enforcou. Era dos quatro irmãos o mais bonito. Tinha olhos verdes, como um convite em uma cela de homens brutos e sedentos...
Sobrou o caçula. Este sim, Baltazar botou fé. Era muito expansivo e fotogênico. E de tão fotogênico, acabou em um cartaz daqueles de pessoas desaparecidas. Baltazar nunca mais soube do menor.
Continuava Baltazar em vários empregos. Foi garçom sem muita habilidade, pedreiro de meia colher, homem-baner e um monte de coisas que não renderam nada.
Baltazar sabia que estava no caminho certo. O problema era o azar. Se algo fosse sair errado, ele sabia que seria com ele. O azar tinha escolhido ele.
Quando surgiu a chance de gerenciar um bar em Torres, bem quando começava a temporada de praia, teve hepatite, ficou fora. Quando um amigo lhe ofereceu a sociedade para um bar na Padre Chagas, o amigo acabou embaixo de um caminhão. Quando decidiu enlouquecer e entrar para o teatro, surgiu uma gagueira do nada que não permitiu ele fazer papel algum. Quando surgiu a chance de fazer a campanha de um candidato a deputado federal, teve o azar de traçar a menina que era do próprio. E por aí foi...
Até que um dia tomou uma decisão. Não esperaria mais nada da vida. Ele iria buscar a sua sorte, já que a sorte só o sacaneava. Pensou...Pensou, e ficou resolvido: Iria para o crime. Se fazendo tudo direitinho não dava, iria então pelo outro caminho.
Nesta época, Sirlei, sua namorada, trabalhava como caixa em uma lotérica fazia uns oito meses, e sua dedicação havia conquistado a confiança de Seu Agenor, o proprietário. Sirlei começou a fazer uma minuciosa pesquisa e, descobriu que o dinheiro que entrava após o fechamento do banco, Seu Agenor escondia embaixo de um velho sofá que ficava em uma sala que servia como “sala do cafezinho”.
Um dia no horário do almoço, Sirlei surrupiou a chave da mesa de Seu Agenor e fez uma cópia. Esperaram com paciência o dia ideal. Finalmente, houve o grande dia. Mega Sena acumulada. Não haveria oportunidade melhor. Baltazar sabia que a chance de botar a mão naquele prêmio, faria o sofá de Seu Agenor estufar de tantas apostas que seriam feitas.
Baltazar saiu de casa a meia noite e encaminhou-se para a lotérica. Não sentia medo, sabia que agora seria diferente. Não estava mais contando com a sorte – no caso dele com o azar, é bem verdade -. Agora era ele que estava no comando. Chegou em frente da lotérica, estava tudo calmo, sabia que a Sirlei havia dado um jeito no alarme. Abriu a porta e entrou acendendo uma lanterna que havia carregado consigo.
Conforme as instruções de Sirlei, correu para os fundos. Levantou o velho sofá. O coração quis saltar-lhe pela boca. Calou um grito de surpresa e raiva. Nada! Não havia nada embaixo do sofá. Resolveu que não podia perder o controle. O dinheiro tinha que estar ali. Era só encontra-lo. Sem perder tempo começou a erguer todos os móveis, abrir todas gavetas e enfiar a mão em todos os orifícios em que podia caber algo.
Depois de revistar todo o banheiro, só sobravam os caixas. Mas Seu Agenor não faria uma loucura dessas. Mesmo assim revistou-os. Nada, nem um tostão, somente bilhetes e volantes preenchidos e que não foram vendidos. Tomado de uma fúria tremenda, Baltazar começou a quebrar tudo. Quando não sobrava mais nada para quebrar ele ouviu a sirene da polícia. Como um louco abriu a porta e saiu correndo rua afora. Não foi muito longe, foi pego na primeira esquina.
Quando chegou algemado na delegacia, Seu Agenor já estava atônito registrando o sumiço do dinheiro. Baltazar protestou que não havia dinheiro algum, mas não adiantou, foi para o presídio.
Mas o que tirou o tino de Baltazar e fez ele terminar de cumprir sua pena em um manicômio, foi o fato de haver na lotérica, em um dos caixas que ele havia quebrado, um volante da mega sena preenchido com os números que seriam sorteados. Bastava Baltazar ter pego aquele volante e esquecer o dinheiro das apostas e hoje seria milionário.
Mas não! O azar jogara a sorte grande nas mãos de Seu Agenor. Seu dinheiro nunca foi encontrado. Mas para que, se agora Seu Agenor era milionário? De tantos remédios receitados para tentar trazer de volta a lucidez, Baltazar morreu. Sirlei acabou casando com o Seu Agenor. Um dia revelou a um jornal local que sempre fora apaixonada pelo Seu Agenor – Que agora era chamado de Senhor Agenor -, só não revelou ao jornal que no dia do roubo, antes que Baltazar lá chegasse, ela com outra cópia da chave havia roubado o dinheiro, mas ao saber da sorte do patrão...


Gravataí, 29 de dezembro de 2007

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